12/11/2025

STF limita multa tributária, mas vai definir parâmetros

Por: Luiza Calegari
Fonte: Valor Econômico
O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que deve haver um limite máximo
para as multas aplicadas pelo Fisco por descumprimento ou erro em
declarações e documentos fiscais exigidos junto com o pagamento dos
impostos - as chamadas obrigações acessórias. Por unanimidade, os
ministros entenderam que a “multa isolada” não pode ser confiscatória, o
que pode levar Estados a ter que rever os percentuais aplicados.
Apenas houve divergência a respeito do percentual máximo para a cobrança e
sua abrangência - se esse limite vale para todas as obrigações acessórias ou
apenas em relação a não apresentação de documento fiscal (RE 640452). Por
isso, a tese ainda não foi fixada. Mas como o julgamento se deu sob a sistemática
da repercussão geral, o entendimento deverá ser seguido pelas instâncias
inferiores do Judiciário (Tema 487).
Pela corrente aberta pelo ministro Dias Toffoli e seguida por outros quatro
ministros, a multa pode ser cobrada pelo Fisco até um patamar de 60% do valor
do tributo, podendo chegar a 100% se houver circunstâncias agravantes.
Quando não houver tributo ou crédito vinculado, ele admite o patamar de até
20% da operação como teto, podendo chegar a 30% com agravantes.
São consideradas circunstâncias agravantes, por exemplo, o dolo (intenção), a
reincidência específica, o fato de a obrigação violada já ter sido objeto de
solução em consulta formulada pelo infrator e o fato de o mercado ser regulado,
segundo o voto de Toffoli. Acompanharam essa corrente os ministros
Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Nunes Marques e Cármen Lúcia.
Com base em um levantamento feito pela Associação Brasileira de Advocacia
Tributária (Abat) em 16 Estados, especialistas afirmam que se prevalecerem os
limites estabelecidos no voto de Toffoli, entre nove governos que usam o valor
do imposto como base de cálculo, todas as multas estariam acima do teto
permitido e teriam que ser revisadas. Hoje, Piauí cobra multa de 80% do
imposto; Acre, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Rio Grande do Sul,
Roraima e Rondônia cobram 100%; e Roraima chegou a aplicar multa de 200%.
Também teriam que ser revistos os percentuais em Goiás, Ceará, Mato Grosso,
Paraná, Santa Catarina, Tocantins, Minas Gerais e São Paulo, que cobram
alíquotas superiores a 25% da operação.
Entendimento do Supremo pacifica a litigiosidade sobre o tema”
— Tiago Conde
Cristiano Zanin acompanhou os patamares máximos propostos por Toffoli,
contudo restringiu a aplicação aos casos de fluxo de mercadorias
desacompanhado de nota fiscal - que é a situação do caso concreto analisado.
Assim, ficam excluídas do entendimento dele: “ausência ou falsidade de
informações fiscais, não escrituração de livros obrigatórios, irregularidades em
registros eletrônicos, retenções indevidas de tributos, ou infrações aduaneiras
diversas”. Zanin foi acompanhado por Luiz Fux.
O relator da ação era o ministro Luís Roberto Barroso, que se aposentou
recentemente. Ele votou a favor da limitação da multa isolada, mas a um
patamar menor, de até 20% sobre o valor do tributo devido ou pago e, quando
não houver tributo, sobre o valor estimado de eventual tributação. Barroso foi
acompanhado por Edson Fachin, André Mendonça e Gilmar Mendes,
totalizando quatro votos.
Com isso, a Corte ainda tem que definir um voto médio sobre quais parâmetros
vão prevalecer. Também ficou em aberto a modulação dos efeitos da decisão.
A proposta apresentada por Toffoli e Zanin prevê que o limite do percentual
da multa isolada tenha validade a partir da ata de publicação de julgamento,
exceto para ações judiciais em andamento e fatos geradores anteriores a essa
data cuja multa ainda não tenha sido paga. Contudo, a questão ainda pode ser
rediscutida, se houver uma nova sessão para a redação da tese.
Mas especialistas avaliam que a situação já é benéfica para os contribuintes. De
acordo com o levantamento da Abat, que atua no processo como parte
interessada (amicus curiae), hoje, em 12 Estados, a multa é cobrada sobre o
valor da operação, e não sobre o tributo devido, o que deixa a conta mais alta.
Além disso, diz a entidade, alguns Estados preveem a cobrança de mais de uma
alíquota por descumprimento de obrigação acessória, dependendo da infração.
Segundo Breno Vasconcelos, do Mannrich e Vasconcelos Advogados, que
atuou pela Abat no processo, o reconhecimento de inconstitucionalidade das
multas isoladas abusivas, por unanimidade, “é um parâmetro importante para
orientar a produção de novas leis, por todos os entes federativos, de modo a se
adequarem a esses limites”. Ele acrescenta que “muito provavelmente, multas
hoje cobradas acima dos patamares que constam do voto do ministro Toffoli,
serão anuladas, por inconstitucionalidade”.
No caso levado ao Supremo, a Eletronorte questionava uma lei do Estado de
Rondônia, hoje revogada, que instituía multa de 40% sobre o valor da operação,
se alguma obrigação acessória fosse descumprida. O ICMS devido havia sido
recolhido pela sistemática da substituição tributária, em que um contribuinte da
cadeia adianta o pagamento do imposto em nome dos demais.
No processo, a Eletronorte deveria pagar R$ 168,4 milhões por não emitir notas
fiscais em compras de diesel para a geração de energia termelétrica. O valor da
pena imposta à companhia pelo descumprimento da obrigação acessória foi o
dobro do montante do imposto pago.
O advogado Tiago Conde, que defendeu a Eletronorte no processo, afirma que
o entendimento do Supremo pacifica a litigiosidade sobre o tema. “Ao fixar
essas balizas centrais, o STF acaba trazendo, para o contribuinte diretamente
envolvido nessas demandas, segurança jurídica nessas relações”, diz. “Há
pontos do acórdão que podem ser melhorados, mas o Supremo trouxe balizas
importantes para privilegiar a confiança do contribuinte”, acrescenta o
tributarista.
Milton Fontes, tributarista do Peixoto & Cury Advogados, destaca um ponto
importante que também foi levantado pelos votos dos ministros no julgamento:
de que a matéria deveria ser tratada pelo Congresso Nacional. “Perdemos essa
oportunidade com a recente edição da Lei Complementar nº 214, de 2025
[regulação da reforma tributária], que mudou o sistema tributário nacional, mas
deixou de lado assunto relevantíssimo como a estipulação dos percentuais
mínimos ou máximos da multa isolada”, diz o advogado.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)
disse que não iria se manifestar sobre o tema.